O Caraka Samhita é considerado o principal texto da escola de medicina interna ou clínica médica, é um trabalho enciclopédico que foi revisado e reescrito na Índia antiga mais de uma vez. Afirma a tradição que este compêndio é fundamentado em um tratado mais antigo chamado Agnivesa Tantra que foi escrito por Agnivesa segundo os ensinamentos recebidos pelo seu mestre Purnavasu Atreya.
O Caraka coloca a seguinte ordem de transmissão do Ayurveda:
Brahma ( o criador)
Daksha Prajapati ( deus ligado a Brahma)
Ashwins ( gêmeos, médicos dos deuses)
Indra ( rei dos deuses )
Bharadwaja ( primeiro sábio a receber o conhecimento de Indra)
Purnavasu Atreya ( sábio que recebeu o Ayurveda de Bharadvaja)
Agnivesa, Bhela e outros discípulos de Atreya
Reza a lenda que Brahma, o criador, estava no seu “olimpo” em meditação e intuiu que a humanidade estava em sofrimento, devido ao acometimento de diversas doenças físicas e mentais, então com a sua infinita compaixão resolveu doar ao ser humano um conhecimento que curasse as doenças, prevenisse as patologias e promovesse a saúde. O criador transmitiu esta sabedoria para Daksha Prajapati, que ensinou aos médicos dos deuses, os gêmeos Ashwins e este repassou para Indra, o rei dos deuses, que recebeu a missão de transmiti-la a humanidade. Mas quem poderia receber este profundo conhecimento de Indra ? Os sábios se reuniram e Bharadwaja destacou-se e foi escolhido para ir até Indra, que ficou satisfeito com a escolha e ensinou a Bharadwaja a “ciência da vida”. Este teve a missão de transmiti-la aos sábios e dentre estes Purnavasu Atreya, que tinha seis discípulos. Entre os alunos de Atreya foi Agnivesa que compreendeu melhor esta sabedoria e escreveu o Agnivesa Tantra texto que deu origem ao Caraka Samhita.
Esta é a história que conta a tradição lendária do Ayurveda. Segundo esta visão esta ciência seria uma revelação doada a humanidade pelo próprio criador. Porem esta teoria da revelação é questionada, baseado no próprio texto de Caraka, que refere a realização de vários seminários na Índia antiga, entre os médicos ayurvédicos, sobre assuntos específicos, coordenados pelo próprio Purnavasu Atreya. Se o Ayurveda é uma revelação por que haveria a necessidade de realizar-se os seminários entre os antigos ayurvedistas ? Nesta outra visão esta ciência seria uma produção de conhecimento dos sábios e médicos antigos do subcontinente indiano, que resultou no desenvolvimento de vários trabalhos literários em sânscrito, infelizmente, muitos se perderam ou chegaram incompletos aos nossos dias.
Caraka foi o primeiro médico a refinar e editar o tratado de Agnivesa, denominado Agnivesa Tantra, sua contribuição foi tão espetacular que o trabalho original, no seu formato novo, passou a ser conhecido com o seu nome. O termo Caraka é derivado do sânscrito “car” que significa literalmente mover-se. Nesta visão o profissional chamado Caraka era aquele que propaga seu conhecimento e leva alívio aos doentes, ao viajar de região em região, no antigo subcontinente indiano. Então a denominação Caraka representa uma escola de vaidyas ( médicos ayurvédicos) que revisou e editou o tratado original de Agnivesa.
Por ultimo temos Drdhabala que reconstruiu o Caraka Samhita em um terço, 17 capítulos do Cikitsa Sthana, 12 capítulos do Kalpa Sthana e 12 capítulos do Siddhi Sthana. Isto demonstra que parte do compêndio tinha sido perdida na época de Drdhabala. Colocamos abaixo a versão de P.V. Sharma sobre autores que contribuíram para a formatação atual do tratado:
1- Agnivesa Tantra: Purnavasu Atreya e seu discípulo Agnivesa, colocados em 1000 a. C.
2- Caraka Samhita: edição de Caraka, colocado em II a.C.
3- Caraka Samhita: compilação e reedição de Drdhabala, colocado no século IV d. C.
Segundo esta visão, do escritor e erudito ayurvedista P.V. Sharma, o tratado teria 3 camadas distintas, com cerca de 1400 anos de evolução para se chegar ao formato atual do texto. Com isto podemos afirmar que o Caraka Samhita está longe de ser um livro comum, mas sim um trabalho enciclopédico que reflete o desenvolvimento da medicina, no antigo subcontinente indiano, por muitas dezenas de gerações.
O Caraka Samhita é um compêndio dividido em 8 seções ou sthanas, com um total de 120 capítulos, onde o ênfase é a medicina interna ou clínica médica. Os outros trabalhos clássicos também apresentam 120 capítulos, no seu original, foi sugerido que 120 seria o número de anos que um ser humano normal atingiria se seguisse, de forma correta, os ensinamentos do Ayurveda. Colocamos abaixo as 8 seções do tratado:
1- Sutra Sthana ou sobre os princípios básicos: esta seção é dividida em 30 capítulos que abordam a longevidade, dieta, filosofia, algumas doenças, rotina diária e sazonal, oleação, sudação, os 6 sabores, os 5 elementos e suas propriedades e as 8 divisões do Ayurveda.
2- Nidana Sthana ou sobre o diagnóstico: esta seção possui 8 capítulos que abordam o diagnóstico das principais doenças da Índia antiga. Encontramos referências a patologias abdominais, diabetes, doenças de pele, insanidade, epilepsia, febre e hemorragia interna.
3- Vimana Sthana ou sobre as informações especificas: esta seção formada por 8 capítulos que discutem os fatores que afetam a administração das drogas e dieta, aborda as epidemias, natureza das doenças, canais ( srotas) e a terapêutica das doenças.
4- Sarira Sthana ou sobre o estudo do corpo humano: esta seção possui 8 capítulos que relatam os princípios que governam a criação do universo e do corpo humano, desenvolvimento embriológico e a descrição dos órgãos e da anatomia.
5- Indriya Sthana ou sobre os sinais de vida e morte: esta seção apresenta 12 capítulos relacionados aos prognósticos das doenças.
6- Chikitsa Sthana ou sobre a terapêutica: esta a seção com 30 capítulos sobre o diagnóstico e tratamento das doenças alem de abordar o rejuvenescimento e os afrodisíacos
7- Kalpa Sthana ou sobre as formulações: esta seção com 12 capítulos sobre a utilização de diversas plantas medicinais utilizadas no subcontinente indiano
8- Siddhi Sthana ou sobre as complicações: esta seção com 12 capítulos sobre o uso das terapias purificadoras ( pancha karma) e suas possíveis complicações. ( 8)
Com esta pequena sinopse das 8 seções do Caraka Samhita podemos observar a complexidade do tratado e a necessidade de estudá-lo em associação com as suas interpretações, feitas pelos eruditos, sendo a mais importante e completa aquela de Cakrapani, denominada Ayurveda Dipika, do século XI da nossa era. Para os estudantes de Ayurveda que desejam ter uma visão geral do tratado recomendamos o texto “ Synopsis on Caraka Samhita” dos médicos indianos Rajneesh V. Giri e Smitha Rajneesh.
Prof. Dr. Aderson Moreira da Rocha
Clínico geral, reumatologista e acupunturista
Mestre e doutor em Saúde Coletiva pela UERJ
Presidente da Associação Brasileira de Ayurveda
Visite: www.ayurveda.com.br