Apesar de a tendência parecer atual, o jardineiro paisagista Ramón Bonzi explica que jardins terapêuticos, no Ocidente, remontam aos mosteiros da Idade Média. “A idéia era ter as principais plantas de uso, como temperos e frutas, bem próximas às propriedades”, complementa.Ele conta que cada mosteiro possuía vários pátios e cada um tinha uma finalidade: um pomar que também era um cemitério, um jardim culinário para a produção dos alimentos e o jardim físico dedicado às ervas medicinais.
Ainda seguindo estudos de Bonzi, as origens terapêuticas diferem dos primórdios dos jardins de meditação: “Estes estão dentro da tradição dos jardins árabes, que eram fechados ao exterior para dar uma sensação de isolamento e intimidade, para evocar a idéia de paraíso perdido”, explica.
Apesar das origens remotas, ainda não foi concluído por que os jardins têm um poder tão grande em suas propriedades de cura e de redução de estresse. Parece ser uma reação primordial ligada ao nosso sistema nervoso central. Pesquisas revelam, porém, que quanto mais um jardim se conecta com os nossos sentidos, maior é a sua habilidade de nos distrair do turbilhão estressante dos nossos pensamentos.
Quintal dos sentidos
É possível ter o seu próprio canto verde em casa, seja no quintal, na varanda do apartamento ou em uma área ventilada e iluminada interna mesmo. Dois caminhos podem ser seguidos: um jardim que dê uma idéia de amplitude e sem tantos elementos, que facilitam o processo de acalmar as ondulações da mente, ou ainda um espaço com variedade maior de plantas, pedras e diferentes texturas, que exploram e estimulam os sentidos. Ambos os caminhos facilitam entrar em contato consigo mesmo e com o ambiente ao mesmo tempo.
Dentro da última opção, paisagistas de jardins terapêuticos focam em estimular todos os sentidos, não apenas olfato e visão, mas também audição, tato e até paladar. Há estudos que apoiam essas idéias. Roger Ulrich, do Center for Health Systems and Design da Universidade A&M do Texas, passou décadas documentando os efeitos curativos em pacientes durante tratamentos de saúde. Ele descobriu que os que têm acesso a uma experiência com jardim têm quedas dramáticas em níveis de estresse, pressão sangüínea e dor. Ulrich tem atravessado os EUA criando jardins terapêuticos em hospitais, clínicas e spas.
Segundo a norte-americana Clare Cooper Marcus, que ensina o conceito de jardins de cura e meditação na Universidade da Califórnia, Berkeley, e é autora do livro Healing Gardens, como as pesquisas sobre as propriedades terapêuticas dos jardins estão sendo avaliadas também no campo médico, o momento dessa modalidade de paisagismo é de expansão. Mas nem é preciso pesquisa para sentir os efeitos calmantes de passar um tempo em um jardim ou na natureza. Quem pratica Yoga pode sentir esses efeitos e enfatizá-los na relação do corpo, mente e alma com o ambiente. Afinal, Yoga é união. Não é preciso praticar ao ar livre; essa integração não tem necessidade de ser literal. Basta estar ali, quieto e em contato com qualquer aspecto do seu jardim – o contato com as plantas, o cantar dos pássaros, o cheiro do mato e das flores ou o barulhinho de água de uma fonte –, que a prática torna-se mais fluida. Esse convite aos sentidos traz o poder de cura e de desestressar quem convive com um jardim.
Segredos verdes
Para Ramón Bonzi, uma boa maneira de se ganhar esses efeitos conectando-se consigo mesmo é pela jardinagem em si. “Muitos donos de jardim perdem essa chance contratando alguém para a manutenção. É nas horas em que você está cuidando das plantas que estabelece um real e necessário contato com a terra”, diz. Ele usa o argumento do filósofo Nietzsche para embasar sua idéia: “Até mesmo o homem mais racional precisa da natureza de vez em quando, ou seja, de uma atitude básica e ilógica perante todas as coisas”. Ramón aprofunda-se explicando que esse contato, parte essencial do homem, quando perdido, faz com que ele se desconecte de seu próprio “eu”, perdendo a capacidade de decidir o que é realmente importante para a sua vida. “É por isso que nas grandes cidades há tanta gente perdida. As pessoas acham que a felicidade se encontra em alguma das abstrações criadas pelo homem”, conclui.
Milton Santos, um dos maiores geógrafos brasileiros, em A Natureza do Espaço (1994, Editora Hucitec), afirma que a história do homem sobre a terra caracteriza-se por uma progressiva ruptura do homem com o entorno. E Joseph Campbell, em O Poder do Mito (1990, Editora Palas Athena), dá a entender que religião, cultura, arte surgiram para “compensar” essa perda de contato com a natureza. “A função do artista é a mitologização do meio ambiente e do mundo”, afirma.
Jardim zen
No século VIII os jardins japoneses eram chamados de niwa, palavra que significa “local de veneração”. Os japoneses praticam a arte de jardinagem para atingir um estado meditativo desde então. Inicialmente a estética teve influências da China e da Coréia, mas a base principal do jardim japonês está nas filosofias budista, xintoísta e Zen. Para aprender o Zen, não há palavras. O aprendiz compreende o conceito por meio de ações, como arco e flecha, ikebana (a arte de manipular arranjos de flores) e também o jardim zen, geralmente monocromático e assimétrico, contendo contrastes, como o liso e áspero e estímulos para a mente.
Segundo o estudo A História da Jardinagem, de Marco Antonio Braga, professor de história dos jardins da Escola Municipal de Paisagismo, no Parque Ibirapuera, em São Paulo, o jardim japonês é um verdadeiro microcosmo, em que os seus idealizadores, pautados por filosofia e cultura milenares, buscam criar um quadro estável, conservando-o imutável estação após estação. Representa uma necessidade de vida, seja por seu valor estético, seja por sua função de elevação do espírito. Essa significação espiritual, religiosa e mesmo cultural dada aos jardins confere a cada elemento que os compõe um significado simbólico próprio. Exemplos:
✦ A água mostra o reflexo do homem e a entrega a si mesmo.
✦ Pontes pequenas, sem fim prático, ligam dois mundos.
✦ Lamparinas representam luz nas trevas.
✦ Bambus simbolizam o homem diante das adversidades: dobra-se diante da ação dos ventos, mas não se quebra.
O paisagista Ruy Fukoshima, que há 15 anos projeta jardins japoneses e fez trabalhos variados, desde um jardim no Palácio do Governo de São Paulo a um projeto nipônico em uma grande sinagoga na mesma cidade, afirma que é possível adaptar essa simbologia a cada modo de vida e religião do dono de jardim. “Um dos mestres com quem fiz estágio no Japão me mostrou que é possível aplicar as bases do que aprendi à própria história do dono de cada jardim.” Entretanto, Ruy adverte que, por mais adaptado que seja esse jardim, é necessária uma orientação de quem entende do assunto ou bastante estudo teórico, porque basear-se em fotos pode resultar em falhas de dimensão, por exemplo. “Isso por causa de toda a simbologia existente nos subterfúgios de cada composição. Uma pedra pode simbolizar uma montanha, e uma planta maior do que uma montanha pode soar ridícula”, explica.
Dicas para seu jardim
Alguns elementos podem ajudar a criar o clima de isolamento e de transcendência que facilita a meditação.
Apesar de ser considerado um empecilho em outros tipos de jardins, pequenos espaços são interessantes para jardins de meditação porque facilitam a privacidade e o silêncio.
Pensar no jardim como uma representação em miniatura da natureza, por exemplo. Ter os cinco elementos – fogo, madeira, terra, metal e água – presentes no seu “refúgio”. Uma pequena fonte e seu barulhinho relaxante de água.
Rochas dispostas de tal maneira que lembrem montanhas. Objetos de madeira e vasos de cerâmica também são bons para criar um ambiente naturalista.
Embora não seja uma regra, não é tão interessante trabalhar com espécies com folhas pontiagudas como as agaves ou com maciços de flores vermelhas. As primeiras parecem uma espécie de ameaça, o contrário do aconchego que buscamos. Já as cores quentes, em vez de acalmar, excitam os sentidos.
Evitar criar um jardim num lugar que receba pouca luz do sol.
Preferir caminhos sinuosos à simetria.
Ao escolher plantas que florescem em épocas diferentes entre si, ou que perdem suas folhas no inverno, estamos enfatizando a mudança das estações no nosso jardim.
Outra coisa é ter em mente, para aqueles que meditam em posição de lótus, que o ponto focal nesse tipo de jardim é mais baixo. Como o jardim não será visto de pé, é interessante trabalhar com arbustos menores, com os objetos e ornamentos posicionados para serem vistos por quem está sentado.
Há certa tendência ao minimalismo nos jardins de meditação: pequenos “amontoados” de plantas, separados por pedriscos, grama ou casca de pinus. Para quem seguir essa estética, uma dica útil no plantio é fazer os berços (os “buracos” onde a vegetação é plantada) com uma profundidade generosa, em geral o dobro da normal. Assim, apesar de ter seu crescimento lateral limitado, as raízes terão bastante espaço para crescer para baixo. R. B.
Jardim das delícias
Estes elementos aparecem em muitos jardins de meditação porque prendem a atenção por meio de todos os sentidos.
Texturas O sentido do tato é o mais fácil de negligenciar, mas é essencial. Flores de cera, jasmins de madagascar, e samambaias, musgos, grama coreana, orquídeas macias e outras delícias texturizadas podem criar uma experiência sensorial agradável. Rosas e plantas espinhosas devem ficar longe do contato.
Água O som da água corrente é calmante, então incorpore uma fonte ou laguinho, se possível. Até um caminho de seixos imitando um riacho seco que dá a ilusão da água pode ser relaxante (e também uma solução contra os mosquitos).
Natureza Ao escolher plantas que atraem pássaros e borboletas, você agrada à natureza e a si mesmo.
Plantas aromáticas Um cantinho de lavanda pode fazer maravilhas no combate ao estresse. Os jardins do hotel e spa Unique Gardens SP, em Atibaia, SP, são cercados de lavandas.
Som Mensageiros de vento e sininhos são populares nesse tipo de jardim porque o som é um dos melhores meios para aguçar o foco no momento presente. M.H.
Fonte: Yoga Journal